quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O dialecto do “Aaaauurreeghh”

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Ontem fui ao dentista. Consulta de rotina que, a bem dizer da verdade, já estava a fazer falta... E o que mais me assusta nestas idas ao dentista, não são as quantidades de seringas de tamanho industrial que me entram pela boca dentro, nem a quantidade de utensílios que só me lembram bisturis, nem as dores que posso vir a ter enquanto estou naquela cadeira. Nada disso. Infelizmente passei por uma fase – a do espectacular aparelho – em que as idas ao consultório eram mais frequentes que os escândalos do José Castelo Branco, então, acabei por me habituar à situação. Até porque tenho a sorte de ter um dentista que a nível de dores, raramente me deixa ter razão de queixa - é um santo, aquele homem. Por isso ir ao dentista para mim é tipo... canja de galinha com iogurte de morango. O que realmente me assusta e intriga enquanto lá estou, e juro que saio de lá a pensar nisso, é a capacidade que os dentistas possuem de entender o dialecto do “Aaaauurreeghh”! Normalmente até vou “tão distraída” nos meus pensamentos que até saio sem pagar. Opá, coitadinha de mim, que “distraída” que eu sou! A porra é que a mulher da recepção não está assim tão distraída como eu gostaria, não. Mas adiante...

Desta vez, assim que cheguei, sentei-me na cadeira e lá veio a conversa do costume:
(M) - Olá doutor, tudo bem?
(D) - Olá Maria! Então, o que se passa por aqui?
(M) - Olhe, vim só pro me dar uma vista de olhos aos dentes do ciso!
(D) - Ora abre lá a boca para ver o que se passa...
E é aqui que para mim, começa a consulta e onde, na minha cabeça, a conversa devia acabar. Mas parece que afinal não! Para ele, até aqui foi uma simples introdução para toda uma conversa que me deixa... hm.... como hei-de dizer....? Parva.
(D) – Ora parece-me a mim que com os cisos está tudo bem. Não te doem pois não?
(M, de boca aberta) – “ão
(D) – Ah! Então vamos deixá-los sossegados, e se te começarem a incomodar passas cá outra vez! Mas estou a ver aqui um dentito que precisa de concerto! Óh dona Olga, passe-me aqui a anestesia.
(M, ainda de boca aberta) – “Im, exa à ixo xáxa-or!” (sim, veja lá isso, se faz favor)
(D) – Pronto, se te aleijar avisa. Está tudo bem?
(M) – “Im
(D) – Ok. Agora é esperar que a anestesia faça efeito! Não feches a boca, ainda tenho aqui a seringa! Então e como vão os estudos?
(M, com cara de “han? Quer mesmo meter conversa enquanto eu estou aqui de seringa na boca?!”) – “Ão em! À exou ùa-xe àca-ar!”
(D) – Já estás quase a acabar?! Ai como o tempo passa!! Estás em que ano? No terceiro não é?
(M) – “Im
(D) – pois, com Bolonha isto agora faz-se num instante! E estás a estudar o quê, já não me recordo...?
(M) – “Éhain
(D) – Ah! Design, pois é!
E é entretanto que a anestesia começa a fazer efeito...
(D) – Então e o que vais fazer a seguir, já sabes?
(M) - “Aaaauurreeghh
(D) – Outra licenciatura? Isso é só vontade de estudar!! Óh dona Olga, ponha-me aqui o aspirador de saliva, por favor...!
E então, temos o seguinte espectáculo: como ruído de fundo um fantástico ssssshhhhhuuuuuuuurrrrrr, proveniente do aspirador; eu de queixo caído na cadeira do dentista, com a lado esquerdo da cara completamente anestesiado e com umas pázinhas a andarem para trás e para a frente nos meus dentes; e uma luz tipo holofote-de-campo-de-futebol em direcção aos meus olhos. E o senhor doutor, sempre muito simpático e atencioso, lá prossegue com a sua pseudo-conversa (que no fundo não passa de um monólogo):
(D) – Então e o teu irmão que anda a fazer?
(M) – “Aaaauurreeghh” (ssssshhhhhuuuuuuuurrrrrr)
(D) – Ah está de férias, faz ele muito bem! Já acabou o curso dele?
(M) – “Aaaauurreeghh” (ssshuuuurrr), aauurreeghh (sshhhhhuuuuuuuurrrrrr)!
(D) – Ah pois, isto agora é assim!! Temos que fazer pela vida...
E isto era coisa para durar uma consulta inteira! A sério, como é que eles conseguem?! Como é que eles percebem?! Deve ser uma vida muito solitária, a de dentista, para se darem ao trabalho e ao esforço de manterem uma conversa destas... Ou isso, ou têm na faculdade uma cadeira chamada “dialecto Aaaauurreeghh”. Deve ser isso. Só pode! De certeza!
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